terça-feira, 2 de junho de 2009

Desventuras de Tardes Perdidas

A chuva caía insolente, jogava-se contra as janelas e esparramava-se pelo vidro, fazendo-se de íntima. Os olhos da menina seguiam as gotas suicidas em sua queda de fim próximo, perdendo-as de vista poucos segundos após concentrar-se em uma nova, e, sempre que o fazia, buscava uma nova na multidão que se arremessava das nuvens neste mundo ingrato. Debruçada no parapeito, fitava o horizonte sem vontade ou determinação. Os cabelos lisos caiam sobre os ombros, o queixo encostado na madeira, a respiração criando enormes manchas embaçadas no vidro, que dissipava-se tão rápido quanto ela podia respirar. Os braços estavam caídos ao lado do corpo curvado, e ela mexia na calça de flanela que cobria as pernas roliças. A casa estava vazia, e o silêncio desfilava sem preocupação pela sala, cozinha e quartos. Imperava sem ameaça, exceto pela chuva que trovejava lá fora.
Quando era mais nova, tinha medo da chuva. Em uma tarde como esta, estaria em seu quarto, encolhida sob as cobertas, abraçando um de seus muitos bichinhos de pelúcia e escondendo o rosto na barriga deste. Mas agora estava grande demais para tais infantilidades, mesmo que os bichinhos continuassem espalhados por todo seu quarto, empilhados em prateleiras, na cama, largados no chão, chutados pelas gavetas e por ela. Tinha muita preguiça de ir até a cozinha fazer um pouco de chocolate quente para aquecer o peito e a barriga. A distância entre a sala e o quarto era gigantesca, portanto continuaria com os pés brancos de frio e as unhas roxas pela friagem, se ficasse doente ainda seria melhor, não precisaria ir para a escola. Os cadernos e livros estavam preparados sobre a mesa de carvalho maciço, a lapiseira largada em cima da folha de linhas azuis, onde já havia algumas palavras escritas, mas ela não tinha interesse algum em ir estudar. Perda de tempo, irritante e nauseante. Faria-a sentir sono, e isso era a última coisa que queria: sentir sono. Não agüentava mais dormir pelos cantos, perder suas tardes sob as cobertas, deixando o mundo passar enquanto ela dormia.
Exausta de sua própria inutilidade, ergueu as costas. A visão exaustiva do campo sem nada que vinha depois de sua casa deixava-a doente, a grama indistinta que crescia horrorosa, e jamais era aparada, a colina sem romance, sem árvore e sem balanço de pneu. A garagem vazia, e os estudos atrasados. O quadro de sua vida parecia uma grande porcaria visto dali, e desistiu de pensar. Levantou-se e olhou as roupas velhas que cobriam o corpo acima do peso, rondou com os olhos as redondezas dentro da casa, e pareceu satisfeita em comprovar que realmente encontrava-se solitária naquela tarde vazia.
Abriu a porta sem pensar mais de uma vez, deixou o vento gélido furar sua carne com as agulhas da friagem e não retesou-se. Fechou a porta as suas costas e pulou descalça na grama molhada. A água cobria-a, abraçava-a e tirava-a para dançar. Girava sem pensar na chuva, os olhos semi abertos, sentindo a água molhar seu cabelo, seu rosto e seu corpo. Os braços abertos par ao céu, abraçando-o com carinho, cariciando-o, assim como ele acariciava-a. Permitiu que as água lhe tocassem e a rendessem, e permaneceu ali por longos minutos, correndo na grama molhada, enchendo-se de lama e grama úmida. Correu colina acima, ignorando o pinicar do mato alta que cutucava seus pés e suas panturrilhas. Foi até o alto, e girou, ficando de frente para as casas enfileiradas, de braços abertos e olhos fechados. Gritou, alto e ruidosamente, a plenos pulmões. Queria que todos, e que ninguém, a ouvisse. E berrou longamente na chuva estrondosa, e somente quando a voz lhe faltou e a garganta aranhou é que arqueou o corpo e, num impulso, alegre, abriu os olhos para ver o resultado de seus gritos mudos.
E não foram apenas seus gritos que neste momento permaneceram mudos. Todo seu corpo emudeceu diante de uma surpresa inquieta, e, sem palavras, ela despencou. Sentada na lama, com as roupas sujas e molhadas, o corpo enregelado que pensava poder contar com um banho quente encolhido, os lábios secos e as mãos trêmulas.
A chuva ainda despencava tolamente, mas não sobre sua casa e sobre a de seus vizinhos enfadonhos. Ela despencava sobre um pequeno vilarejo onde as casas eram feitas de pedra e madeira, as flores bebiam contentes da chuva incessante, a grama aparada e bela brilhava na torrente constante, e ela podia ver a luz de velas ou lareiras escapar pelas janelas redondas. e, antes que pudesse erguer, uma voz foi ouvida, e ela apenas não gritou pois uma mão bem maior que a sua tampou sua boca, e outra rodeou seu tórax, imobilizando-a.












-estava calada, perdida e querida. estava sozinha e acompanhada. estava inspirada, sem fonte adequada. escrevi sem pensar, e torci para ser belo. dediquei àqueles que me querem como sou, àqueles que me abraçam em qualquer situação, àqueles que me ouvem rir e me ouvem chorar, reclamando mas permanecendo. dediquei ao meu coração e ao de vocês. beijei os dedos e as páginas, e não chorei por isso.
-Meu nome não é Níh;