sábado, 8 de agosto de 2009

Luzes de Natal

Acima das cabeças adolescentes o sol se punha. Apenas um dos quatro pares de olhos se ergueu para ver o acontecimento rotineiro, todos os outros continuaram a olhar o que já estavam olhando. Todos os dias acontecia um pôr do sol, poderiam ver o do dia seguinte, afinal. Os carros passavam velozes na avenida, enquanto os risos se erguiam como o canto da cotovia, enchendo a cidade cinza, grande e suja de alegria. Aquela alegria jovial e despreocupada de quem não tem nada a perder, com um mundo de possibilidade estendido a frente como um tapete vermelho. Naquele fim de tarde, não haviam pensamentos ruins. Somente planos. Planos, planos e mais planos.

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Os prédios vomitavam as pessoas, expulsando-as sem paciência, agora que não eram mais necessárias. Era hora dos trabalhadores voltarem para casa, cozinharem para os filhos e dormirem, pouco e mal, pois o corpo doía e o despertador logo acabaria com seus sonhos sutis. Mas para os jovens a noite ainda estava começando, poderiam fazer o que quisessem por mais três seguras horas. Poderiam fazer planos despreocupados enquanto perambulavam pela rua mais iluminada, movimentada e bela daquela cidade.

Mas, naquele dia, fizeram outros planos.

Entraram na fila dos infelizes, rindo do cinza que os cercava, um ponto de luzes fracas no meio da cidade escura. Luzes de Natal remanescentes do feriado que havia partido há tempos, e ainda faltava muito para chegar.

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O calor, o cheiro, o som. O mundo girava, as cabeças pesadas. Um corpo quase desabou, mas não havia espaço para tanto. O mundo adulto é mais bonito visto de fora. Num suspiro de desespero, uma esperança ligeira de que pudessem escapar, saltaram para fora do monstro de metal e rodas. Mais tarde aqueles olhos que avistaram o pôr do sol desejariam estar dentro do estômago quente e desconfortável, do que na liberdade periculosa das ruas.

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De onde eles vieram? Quando chegaram? Ela não saberia dizer. As bolsas estavam penduradas nos ombros, presas ao corpo, retidas pelas mãos. Mas eles não precisaram de muito.

"Passa tudo".

Os olhos do pôr do sol fitaram suplicantes aqueles olhos frios de quem nunca havia sido uma luz de Natal. Um mísero sussurro. Uma súplica.

"Não, porfavor".

Não houve tempo para que um vagalume brilhasse naqueles olhos. Um segundo depois, não havia uma bolsa em seu ombro. Ele estava correndo, se afastando. Mas algo o deteve. A garganta ficou seca, a mão rondava o bolso. Sua conexão com o mundo, o celular estava distante demais, não seria seguro. Nenhum palavrão veio a sua mente naquele instante. A fantasia não estava ali agora, maldita fosse.

"Passa a bolsa!"

Um movimento sem compromisso, algo que havia feito milhares de vezes. Girou a alça em volta da cabeça e deixou o peso residir em uma das mãos. Ele puxou toda a carga e saiu correndo. Os carros buzinaram, desviaram, e ela ficou vazia.

"Pra dentro" empurrou a outra estática, duas estátuas de cera, uma que fala, uma que pensa em chorar. Passos largos, os celulares chamando socorro. Pura formalidade, não adiantaria mesmo.

Que bom que a fantasia não estava ali, ela é pura demais para esse tipo de coisa. Ficaria traumatizada, e escura. E agora seria o único refúgio das luzes de Natal quebradas.

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Um presente de sua falecida avó. Escritos carinhosos e secretos. Algo de valor supérfluo, mas guardado do lado do coração. Dez reais. Algum documento... Foi tudo que aquele par de luzes de Natal perdeu.

A carteira. A bolsa. Documentos. Segurança... Foi isso que o outro par de luzes de Natal perdeu.

Dinheiro. Uma conquista. Amor próprio e pelos outros... Foi isso que o terceiro par de luzes de Natal perdeu.

O último par de luzes de Natal não perdeu nada. Mas ele estava do lado de lampâdas quebradas, sem energia. Um par de luzes se movia sem pensar, fazia o que tinha que ser feito. O outro chorava. O outro berrava. Os pares de luzes de Natal se dispersaram.

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A noite, a cena se repetiu uma dezena de vezes. Uma dezena de infinitas vezes, a cena desfilou. Uma tragédia minúscula, uma besteira.

Poderia ter sido pior, eles poderiam ter se machucado. Todos poderiam ter se machucado. Poderia ter perdido algo mais importante.

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Alguns dias depois, o par de olhos que fitou o pôr do sol o fitaria novamente. Os lábios sorririam tímidos, felizes por estarem diante daquele céu alaranjado novamente. As luzes de Natal reacenderiam com o tempo, enquanto a fantasia abraçava a estátua de cera, deixando-a mole, derretendo-a para transformá-la em outro material. Um mais sólido, resistente, e nem por isso menos belo.








Dei uma parada no "desventuras" porque precisava postar este texto...Logo mais posto a versão inglesa. Baseado em fatos reais que ocorreram comigo. Espero que gostem...e comentem!


Meu nome não é Níh;