quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A primeira carta do Papai-Noel

Grinaldas (ou guirlandas, tanto faz o nome pelo qual se conheça) nas portas. A casinha do papai noel montada no shopping. A árvore de Natal no centro da cidade com todas as suas luzinhas e seu espaço no telejornal da hora do almoço.

Estes detalhes impossíveis de ignorar anunciavam para a pequena Mary de que, sim, o Natal estava chegando.

"E igual a todos os outros anos" ela pensou, vendo as crianças mais novas fazendo fila para sentar no colo do papai noel e fazer seus pedidos.

Quando Mary era mais nova, ela adorava o Natal. Era legal montar a árvore na sala e ver a mãe, a tia e a avó preparando as comidas para a ceia. Imitava fielmente Cindy-Lou Quem, colocando um prato com cookies caseiros e um copo de leite ao lado da árvore, para que o Papai Noel pudesse se alimentar antes de continuar com a difícil tarefa de distribuir presentes.

Aproveitava como ninguém a maratona de filmes na televisão, e sempre ficava com muita pena de Jack Esqueleto. "Ele só queria ajudar, mamãe! Mas o coitadinho fez tudo errado" lamuriava-se, abraçada à mãe que, muitas vezes, apenas ria por rir, já que não estava mais prestando atenção no filme que estava vendo pela centésima vez.

Na verdade, o maior pesadelo da mãe de Mary era a maratona dos ‘Fantasmas do Natal’. “Porquê tantas versões?” ela se perguntava, em agonia, mas nunca dizia nada. Mary sorria diante da televisão e os olhos brilhavam, empolgada. “Meu favorito é o fantasma do natal presente” ela dizia “ele é o mais malvado, mas eu gosto dele!”. Na verdade, Mary sempre gostava dos malvados...

Nunca aceitava se sentar no colo daqueles papais-noéis estranhos parados nos shoppings, com suas "duendes" ou "mamães-noéis" de saias curtas. "Aquele não é o papai noel, mamãe" explicava a menina, com uma eloqüência de gente grande "E eu tenho várias coisas que provam isso." A mãe sorria, e erguia a sobrancelha, intrigada "É mesmo? E que coisas são essas?". Mary costumava inflar o peito nessa hora, louca para mostrar com era inteligente e perspicaz "Ora essa, primeiro: o papai-noel não poderia estar aqui, ele esta no pólo norte, terminando de revisar a lista das crianças boas e das crianças más. Segundo: como ele estaria em todos os shoppings ao mesmo tempo? Terceiro: não precisamos ir pedir pessoalmente, basta escrever a cartinha e deixá-la embaixo do travesseiro, que ele recebe ela e sabe exatamente o que te dar e, por último, e mais importante: a esposa do papai noel tem a idade dele, mamãe! Ele nunca se casaria com essas moças magrelas e novinhas".

Esse era o ponto que a mãe de Mary ria no meio do shopping, se ajoelhando no piso frio e abraçando a filha com orgulho, mesmo que ela não entendesse o porque de tanta euforia.

Foi quando seu primo mais velho berrou na véspera de Natal, enquanto ela deixava o prato de cookies e o copo de leite ao lado da árvore, que ela era uma burra (e, veja bem, Mary se achava uma menina muito inteligente) por acreditar no papai-noel, que toda a alegria natalina começou a derreter como a neve faria se estivesse embaixo do sol escaldante que fazia na cidade. A coisa se tornou pior quando ela perguntou para os pais se o primo estava certo, e eles apenas conseguiram olhar um para o outro. Ela sabia o que aquele olhar significava (pois, apesar do que estava sentindo naquele momento, Mary era sim uma menina esperta e inteligente). Foi uma madrugada de Natal ao som de choros, berros, os primeiros palavrões daquela menina de seis anos e meio e um presente quebrado (o do primo de Mary, é claro. Ela fez questão de achá-lo no armário dos fundos e pisoteá-lo na frente do menino.) Desde então, o Natal nunca mais foi o mesmo.

Tudo aquilo parecia ensolarado demais, fedido demais, repetitivo demais.

"São as mesmas propagandas, as mesmas roupas, os mesmos filmes" reclamava sentada no carro com ar-condicionado e vendo o mundo derretendo do lado de fora. Realmente, a não-tão-pequena Mary havia se enjoado de tudo aquilo. Exagerava um pouco, é claro, como qualquer pré-adolescente (ela gostava dos filmes repetitivos da sua infância que não havia partido há tanto tempo). "Eu odeio o Natal!" afirmava, sem nenhum remorso, quando chegava em casa depois de exaustivas compras em lojas cheias de filas e pessoas berrando.

Recebia os presentes com dois dias de antecedência, e não montavam mais árvore de Natal. Costumava chegar bem perto da súplica para que não precisasse ir à ceia. Era detestável ser obrigada a ficar com tantas pessoas felizes (ou que pelo menos fingiam estar felizes, afinal: era natal...), preferia (sem sombra de dúvidas) se sentar no próprio quarto, ligar a televisão e ver os clássicos natalinos. "Menos Rudolph" pensava sozinha, mudando os canais "aquela rena com o nariz brilhante me irrita".

Não que se irritasse pelo fato do nariz ser brilhante (afinal de contas, o cachorro de Jack Esqueleto, Zero, também tinha o nariz brilhante - e ela havia colocado este nome em um de seus cachorros, sendo que o outro se chamava Max, por causa do Grinch ) mas aquela rena alegrinha que salvava o Natal tirava-lhe do sério. "Se ele fosse esperto e usasse um carro, ou faróis no trenó, pelo menos, não precisaria de uma rena mutante" e isso ela pensava desde antes do terrível incidente que envolvia lágrimas, gritos e rodinhas despedaçadas.

"A verdade é que ninguém precisa do Natal" pensou, na madrugada de Natal daquele ano, deitada na cama, encarando o teto. "Ninguém precisa de Natal... Aliás, se não tivesse Natal seria muito melhor. Bem mais ecológico, menos consumista. Ninguém teria que ficar endividado por meses à fio por causa dessa celebração estúpida. Afinal, porque ganhamos presentes? O aniversário é de Jesus, não nosso" quem lhe forneceu o último argumento foi um amigo judeu, mas ele também não acreditava em Jesus, então ele simplesmente não gostava do Natal por isso. Mary nunca perguntou o que se celebrava no Hanukah, gostava de explicações sucintas, e o amigo-judeu-de-Mary não era bom em explicações sucintas.

Aquele pensamento roundou Mary por várias noites, até o Ano Novo. Essa festa sim ela gostava, e achava lógica a comemoração. “É como um nascimento, o início de um novo ano” dizia logo depois dos fogos. “Ou como um velório” disse seu tio “a morte de um antigo”. Mary entortou a boca com o comentário do tio, e ignorou-o sem nenhuma cerimônia. Sempre que ouvia algo que não achasse importante, ignorava ferozmente, tentando deletar a informação imposta de seu cérebro, para que o espaço fosse ocupado por algo útil.

Durante aquele ano, as coisas aconteceram como sempre. Houve a Páscoa (que também causava certos desconfortos em Mary, mas essa é outra história) e seus ovos e coelhinhos amarelos e saltitantes e tudo continuou como sempre. O dia das crianças (no qual ela não ganhava mais presentes, e aquilo lhe causava uma averão especial ao dia) com suas propagandas entusiasmadas na televisão, o dia dos namorados (que não significava nada, porque ela era muito nova para ter um) com seus chocolates especiais e corações pendurados nas lojas, o dia das bruxas (a festividade favorita de Mary!) no qual tudo era roxo, preto e laranja, e haviam abóboras e fantasias para todos os lados. E então, para todos os lados, o tema era a pomba da paz e as roupas brancas para o ano novo. “Pularam o Natal!” ela pensou, abismada, olhando os shoppings sem casinha do papai noel e as portas sem grinaldas. “Esqueceram no Natal!” conclui, com um sorriso amplo nos lábios.

E, novamente, Mary estava certa. Haviam esquecido do Natal. Ninguém parecia lembrar dele, naquele ano não haveriam presentes (Mary ficou um pouco triste por causa disso) e também não haveria ceia forçada nem todas aquelas coisas incomodas que forçam agente a fazer no Natal (e isso compensou a falta de presentes).

O mês aconteceu como todos os outros, sem nenhuma mudança. Alguns parentes de outras cidades foram passar o final de semana na casa de Mary e de seus pais, e eles ficaram acordados até muito tarde, rindo. Ela brincou com as primas e os primos, e eles fizeram tanta bagunça que os pais de todos os eles lhes deram uma bronca monstruosa. Comeram bastante, como raramente comiam, e isso fez a maior parte sentir bastante sono. Dormiu deitada no colo da mãe, que estava sentada no sofá da sala, bebendo vinho e rindo de piadas antigas. A música e as vozes altas se arrastaram pela noite, e, uma a uma, as crianças caíram no sono. Algumas no sofá, algumas na cama, e o mais novo dos primos de Mary chegou a dormi no chão ao lado da mesa de jantar, enrolado em si mesmo como um cachorrinho.

Quando Mary acordou era cedo demais para que havia dormido tão tarde, e não estava mais na sala. Estava deitada na sua cama, com os primos que tinham se arranjado em colchões espalhados pelo chão. Espreguiçou-se com um sorriso amplo nos lábios de garotinha e, o mais silenciosamente que pôde, passou pelos vãos entre os colchões para sair do quarto. A sala estava silenciosa, e até mesmo os ratos dormiam. Ela caminhou nas pontas dos pés até a sala, que ainda mostrava vestígios da noite anterior. Ao lado da varanda, havia uma pilha de caixas de papelão. Se aproximou vagarosamente, e notou que cada caixa tinha um nome escrito em uma letra antiquada.

Em uma das caixas, estava escrito o seu nome, e o coração disparou quando viu aquilo. Olhou para os lados, três vezes, antes de pegar a caixa e andar até o sofá com ela, apoiando-a entre as pernas no chão, e abrindo a tampa. Havia uma caixa menor e, no topo, uma carta.

Feliz manhã de Natal, pequena Mary

Espero que tenha se divertido durante esta madrugada, e espero que esteja feliz.

Eu sei que durante os últimos anos o Natal pareceu algo terrível, principalmente porque todo mundo sempre pareceu tão triste e angustiado nessa época do ano. Eu ouvi bem suas reclamações, e acho que você estava certa. Seria bom para as pessoas se não houvesse Natal, pelo menos não esse Natal que eles criaram, ainda porque roubaram a minha função, não é?

Como você me parece uma menina muito esperta, resolvi seguir o seu conselho e eliminei o Natal. O que achou? Me pareceu bastante divertido, ainda porque vi como você sorria adormecida no colo da sua mãe.

Mas, é claro que o Natal não deixou de existir, nem mesmo eu sou capaz de cancelar isso. Apenas apertei o botão reset (é assim que vocês jovens chamam, não é?) e comecei tudo do zero. Voltamos no tempo para a época que eu deixava presentes nas casas escondido, na calada da noite, e todos ficavam felizes na manhã seguinte.

E eu já comecei! Acho que vai gostar do presente –apesar de não ter deixado nenhuma carta embaixo do travesseiro para que o Morfeus fosse buscar para mim e eu saber o que você queria de presente – tem muito de você nele.

Beijos, e, novamente, tenha um Feliz Novo Natal.

São Nicolau

Ps.: sabia que essa é a primeira vez que eu escrevo uma carta?

Mary estava espantadíssima com aquilo, e não largou a carta enquanto abria a caixa menor. Lá dentro havia apenas um objeto retangular, que ela pegou cuidadosamente. A capa era preta e dura, e devia ter pelo menos umas duzentas páginas ali. Um elástico grosso impedia-o de se abrir, e ela soltou-o com cuidado, sem largar a carta. As páginas amareladas tinham linhas pretas bem claras e nada escrito. Encaixado na lombada, havia uma caneta preta de escrita fina e macia.

Naquela manhã, sozinha na sala, Mary sorriu sozinha com muitos pensamentos na cabeça.

Ficou muito feliz pelo presente, e abraçou-o com força, amassando a carta que não largava de jeito nenhum.

Ficou muito feliz por ter ajudado alguém muito importante a fazer algo muito bom, e o seu sorriso aumento por isso.

Se lembrou com clareza de uma frase antiga, mas substituiu seu nome sem nenhum remorso nela. ( “E o coraçãozinho da Mary cresceu três vezes naquele dia...”).

E, sim, ela era uma criança esperta e inteligente, muito mais inteligente do que seu primo mais velho que há anos atrás havia perdido um caminhãozinho de controle remoto.






Escrevi este conto afim de lembrar o que, para mim, é o verdadeiro Natal. Aquele momento em paz com as pessoas que você ama, sorrindo sem nenhuma obrigação de sorri, estando com alguém que você não é obrigado a estar. Aquele momento de abraçar o pedacinho de família especial que você tem, e festejar o simples fato de se estar juntos. Mesmo que esse Natal pareça distante e utópico, não custa acreditar. A imaginação é o que nos salva da loucura, não custa usá-la em momentos como estes.

Espero que todos tenham um Feliz Natal. Que sua ceia tenha sido melhor que a minha, e que o almoço de Natal seja maravilhoso, e, é claro, que possam sorrir com aqueles que gostam de te ver sorrir.




Meu nome não é Níh;

1 comentários:

Anônimo disse...

WOOW..Nih..
dimais..
meu chorei lendo esse conto,
muito bom..^^

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