quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Desventuras de Tardes Tediosas - Parte VII

Saber que estava em pé diante da casa do possível líder daquele possível grupo organizado fazia-a se sentir ansiosa e desconfortável. Entrelaçava os dedos do pé, sobrepujando um seguido do outro. Arrancava a pele ao redor das unhas, mordiscava o canto dos lábios, tudo isso por ainda ter que esperar aquele maldito fanfarrão sair de dentro da casa do papai. Ela sabia com estava em pé sobre algo afiado e melindroso. Poderia estar tendo aquela sorte invejável de estar no lugar errado e na hora errada, mas ser encontrada pela pessoa certa, ou então estaria sofrendo daquele azar indiscriminado, podendo estar submetida não apenas ao encontro de três coisas erradas, como também todo um universo de artimanhas contra ela. Incrivelmente era muito mais simples avaliar a possibilidade do azar acima de tudo, do que a sorte nos cantos do prato.

Quando a porta se abriu e Dimitri a encarou novamente, ela não sabia o que fazer. Se estivesse em casa, segura pelas leis que conhecia, estaria despejando uma multidão de palavras impróprias e tapas superficiais, mas ali ela era uma estrangeira, que não conhecia nada, e ele...Bem, ele era o filho do chefe, né?

-E aí? – perguntou Hani, enquanto o amigoco colocava a bandana na cabeça.

-Ah, nada demais – ele estava descontraído, calhorda! Não custa nada ser direto, custa? – Quer que encontremos roupas, ela vai ficar na casa da sra. Diamantina e vai conversar com ele amanhã.

-Só isso? – Sarah não conseguiu se conter, e nem mesmo ficou vermelha quando os dois olharam-na.

-Você quer mais alguma coisa? – ele perguntou, debochado.

-Não! – ela se apressou em dizer. –Não, não... Parece...ótimo.

Dimitri riu do nervoso da menina, e novamente ela gostaria de estar em seu mundo, submetida às suas próprias regras. Mas não estava, pelo menos não aparentemente, então rendeu-se àquele destino momentâneo sem se debater mais.

-Vêm, eu te levo até a casa da Diamantina. Acho que vai gostar dela, é uma senhora que adora fazer as pessoas comerem... – ele e Hani riram, como se aquilo fosse para ser engraçado.

-Você por algum acaso esta me chamando de gorda? – Sarah perguntou, irritada.

-Ora, não seja presunçosa! Você não chega a ser gorda! Mas esta cheinha o suficiente para abrir o apetite de alguém com fome.

Ele falou como se aquilo fosse um elogio, mas ela sentiu o sangue ferver e desferiu um tapa sem pensar no ombro do rapaz. O som do tapa se ergueu no ar, tomando impulso e se lançando no chão seco. Ela estava furiosa e com lágrimas nos olhos. As lágrimas subiam de nível e as íris começaram a se afogar quando a água salgada vazou e ela virou de costas par aos dois. Nem Dimitri nem Hani sabiam o porque daquelas lágrimas, e nem mesmo ela saberia dizer porque se importara.





"Mesmo que descuidado e esfarrapado, aquele jardim continha seu orgulho e sua história. E ele se mantinha de peito erguido, sorrindo sem alguns dentes, lembrando a todos de tudo que ele havia abrigado." - trecho de uma história sem nome (a mesma das citações anteriores)


Meu nome não é Níh;

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Desventuras de Tardes Tediosas - Parte VI ( Toca dos Ratos )

Os olhos dela estavam dilatados enquanto ela tentava capturar cada detalhe do cenário diante de si. Sarah jamais havia visto algo como aquilo, já havia lido a respeito e visto desenhos ultrapassados, mas jamais havia estado em um local assim. Nunca havia sido capaz de tocar, ouvir e sentir os odores que enchiam o loca. E preferia que continuasse sem sentir, pois o cheiro era de condimentos, corpos suados e esterco. Dimitri a cutucou, fazendo um sinal para que ela o seguisse, e assim ela o fez, apenas o enxergando pelo canto do olho, estava ocupada demais tentando memorizar cada marca nas pedras e nas carroças.

Todos aqueles olhos estavam seguindo-o, alguns verdes, a maior parte quase pretos. As crianças a viam com curiosidade, e se aproximavam cuidadosamente, como se temessem se aproximar demais. Alguns pareciam prender a respiração para se aproximar mais e quase tocá-la, mas quando os olhos de mel os fitavam eles davam gritinhos e se afastavam, trombando em cestas empilhadas que se esparramavam. Quase sempre ela ouvia uma bronca em seguida. Os adultos não a olhavam com curiosidade, mas sim com o mesmo ódio e repulsa que Dimitri e Hani haviam lançado contra ela no primeiro momento em que a viram. Alguns desejavam distância, outros morte. Ela encolheu os ombros, intimidada, e apressou o passo para ficar mais próxima de Dimitri.

Ela percebeu que o círculo ovalado que era aquela estranha carvena aberta possuía um diâmetro maior do que ela havia imaginado a principio. Haviam rodas de quatro ou cinco carroças, ou casas com rodas, por toda a parte. Ruelas formadas por cestas, terra pisada e pedras incertas levavam os moradores para todos os lugares. Ao lado das carroças ou entre cercas baixas e não muito fortes havia todo tipo de animais, cavalos, alguns bois, galinhas, cabras e porcos. O cheiro do estrume enchia as narinas de Sarah, e o som dos cacarejos irritadiços irritava seus ouvidos. Ela sempre odiou galinhas, eram fedorentas e inconvenientes, e não muito gostosas. Além do mais, era impossível mantê-las presas. Sempre escapavam das cercas para bicar os seus dedos. Pensando nisso, ela passou a olhar com atenção também par ao chão, evitando as malditas parasitas de asas.

Ela notou que ao lado de cada entrada nas paredes havia uma tenda que poderia ser estendida até o extremo oposto, imaginou que aquilo servisse como uma porta, para que quem estivesse na caverna não visse a luz ou as sombras do vilarejo improvisado, e se afastasse. Ao mesmo tempo que tudo aquilo parecia uma casa de hippies, também parecia um refúgio, do tipo que ela lia a respeito em livros medievalistas ou em filmes com o Mel Gibson.

No centro da toca havia uma carroça pintada de vermelho, verde e preto. As rodas eram maiores e havia dois cavalos ao lado dela, pastando. Dimitri fez um sinal para que ela esperasse do lado de fora e puxou a bandana, fazendo-a se solta e cair por seu rosto. O cabelo preto tinha cachos bem definidos e pesados, criando cortinas escuras no rosto bronzeado. Ele afastou o cabelo antes de bater na porta e entrar, subindo um degrau alto e fechando a porta. Hani ficou ao seu lado, tentando, assim como ela, ouvir o que acontecia lá dentro.

-Quem mora ai? – ela perguntou baixinho para o rapaz de cabelos pretos curtos.

-É o “pai” do Dimi – ele respondeu.

Pai? Para que ele tinha ido falar com o pai? Ele ia desposá-la, por acaso? Se fosse assim, ele devia falar com o pai dela. Ou melhor, com ela! Mas não fazia sentido nenhum ele querer casar com ela, afinal, ela era uma “branca”, como ele e Hani haviam feito questão de destacar.

-Para que ele foi falar com o pai? E porque estamos sussurrando? – ela perguntou, e Hani quase riu.

-O “pai” dele é o que você poderia chamar de chefe.

-Ele é o filho do líder?! – a voz de Sarah se elevou, e Hani segurou com força uma gargalhada, concordando com a afirmação da garota.

Ela sabai que seus olhos haviam se dilatado de novo e seu coração disparado com a novidade. Se as coisas continuassem daquele jeito, ia enfartar antes de seu pai.


"Seu coração arfava desesperado e ele sentiu os olhos se aquecerem e vazarem." - sentimentos de Joey em uma história ainda sem nome (é a mesma da citação do post anterior)


-Meu nome não é Níh;

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Desventuras de Tardes Tediosas - Parte V

Quando os três terminaram de comer Hani apagou a fogueira e Dimitri recolheu as poucas tralhas que eles tinham espalhadas. Havia duas sacolas que deviam estar escondidas dentre as árvores quando eles a encontraram, e agora eles a amarravam na sacola.

-Vista isso – Dimitri lhe estendeu um casaco masculino azul escuro, com botões de bronze e abotoaduras nas mangas – Você esta ensopada, e a última coisa que eu quero é uma garota gripada.

Enquanto ele lhe passava o casaco, tomou-lhe a coberta, enrolando-a e amarrando-a a sacola em suas costas. Além das folha,s o sol já havia se posto e uma lua crescente brilhava no céu com poucas estrelas. Eles caminharam para dentro da floresta durante pelo menos duas horas. Os pés de Sarah ardiam, machucados pelos gravetos quebrados e pelas folhas que estavam começando a se secar. O cabelo estava duro, devido a água e a sujeira, e ela conseguia sentir seu próprio cheiro. Para onde quer que eles estivessem indo, ela realmente esperava que houvesse algo como um banho. Quando quase não conseguia mais caminha, uma parede de pedras surgiu diante deles e ela temeu estarem perdidos. Hani olhou para Dimitri, que olhava para o extremo de cada lado do paredão.

-Ali – ele disse, virando a esquerda e caminhando mais quinhentos metros.

Escondido na sombra das rochas e por plantas trepadeira, havia a entrada de uma caverna, ou de um túnel. Hani se mostrou satisfeito com a visão, e tomou a dianteira, afastando os ramos de planta e adentrando a escuridão sem medo algum. O mais velho lhe deu passagem cordialmente, e ela seguiu o primeiro. Não sabia para onde ia, sequer conseguia enxergar as paredes ao seu redor. A única coisa que sabia é que não haviam mais plantas no chão, e poucas pedras pequenas trombavam contra os seus pés descalços. Após vinte cinco minutos o som de vozes, música e passos agitados começou a vir da direção que eles caminhavam

-Estamos perto! – anunciou Hani, alegre.

Ela ouviu os passos dele se apressando e sentiu Dimitri ao seu lado, apressando-a. Os sons ficavam mais altos, e vozes começaram a se distinguir. Até que eles conseguiram ouvir frases completas e uma luz quente atacou o rosto da garota, que protegeu-o instintivamente. Piscou várias vezes, sentido as lágrimas que surgiam cuidadosas. Quando conseguiu abrir os olhos o que ela viu a deixou boquiaberta. Era como se tivessem cavado no meio das montanhas um lugar aconchegante para não muitas pessoas.

Era uma vila arredonda, com paredes do tamanho de edifícios cercando-as. Várias aberturas surgiam nessas paredes, de onde vinham e iam pessoas vestidas com roupas coloridas e espalhafatosas. A maior parte não usava sapatos, e as casas eram de madeira e sobre rodas, como carroças adaptadas. Algumas tendas abertas estavam montadas, e dezenas de pessoas circulavam ali, crianças, adultos e idosos; todos apressados e espalhafatosos.

-Seja bem vinda, estrangeira – disse Dimitri, um sorriso orgulhoso nos lábios travessos.

-Bem vinda à onde? – ela perguntou, virando a cabeça para todos os lados.

Ele riu gostosamente, sem se surpreender.

-Ora, bem vinda a Toca dos Ratos.






"Ela se parecia com uma lanterna antiga, a chama quente e forte escondida atrás de portinholas de aço." -mais uma história sem nome ainda.



Meu nome não é Níh;